segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

Despejo

       Lá se vão minhas emoções. Móveis velhos e roídos, quebrados e gastos. Eu já não poderia arcar com essas despesas que me trazem ao toca-los. Acaba por ser melhor assim. Deixe que vão definhar e decompor essa madeira de tantas histórias em um outro lugar, onde de preferencia não liguem para isso…
      Agora se vão as paredes. Por muito tempo sonhei serem minhas peles: duras, firmes e resistentes. Vento nenhum me derrubaria e muita água passaria por mim… Não ligaria se as marcas ficassem visíveis com o tempo. O concreto seria concreto se conseguisse prender as emoções como durante todos esses anos prendeu fielmente os móveis.
       De repente já não vejo mais casa. Eu já não me vejo e a escritura está rasgada. Nada é mais meu, nem mesmo eu, que sempre pensei ser meu, sou. Coração em pedaços de pecado picados e de letras miúdas. Desabo sobre a terra com minhas emoções e minhas peles. Móveis, paredes e papel. Eu, um pedaço de terra ou de céu.

Por Carlos Fernando Rodrigues  S.S.D.

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

Interioridade

        - Hoje me deu vontade de escrever alguma coisa. Coisa essa, qualquer. Qualquer um poderia escrever isso. Isso é incerto. Certo como as saudades que sinto da península, dos ares, da China e da menina. Com essas saudades sou eu todo, completo, hoje. Não tenho nada planejado como eu fui. Fui, e não espero muita coisa dessas palavras, simples e sem sentido traços e rabiscos. Rabiscos e um coração alvejado, carregado por um cérebro cansado…
       - Cansaço... cedo assim?
       - Ah... sim… e já me vou, tudo bem?
       - Bem não, mas também não é mal… é racional, como sempre.
       - Sempre nunca que possível. E o impossível eu sempre quis, mas sempre passaram na minha frente… só não queria ser medíocre…
       - E é?
       - Por fora ou por mim?
       - Por você.
       - Sim.
       - E por fora?
       - Também.
       - Onde não?
       - Apenas na minha prodigiosa imaginação.
       - E existe lugar melhor?
       - Não para mim.
       - Para quem então?
       - Para o mundo.
       - Onde?
       - O concreto.
       - A realização da imaginação?
       - Não… Esse surto que alguns chamam por matéria.
       - Mas isso não seria a realização de várias imaginações diferentes?
       - Sim, mas sem harmonia.
       - E onde está essa tal harmonia?
       - Na minha… somente nela…

Por Carlos Fernando Rodrigues  S.S.D.